2 de set. de 2011

Sétimo dia na Estrada Real - de Cunha a Paraty


Estrada do lado de Cunha
Marco síntese de nosso estado de espírito
Enfim havia chegado o domingo. Iríamos realizar a nossa última jornada e percorrer o caminho que, provavelmente, havia sido o início de tudo. Acredito que tudo tenha começado quando em 2005 estava em Paraty e resolvi subir a serra de Vectra mesmo tendo sido aconselhado pela polícia rodoviária a não faze-lo. Eles foram diretos e pediram que eu tivesse pena daquele carro. Mas ali foi plantada a semente da vontade que iria um dia germinar nesta viagem que estávamos prestes a terminar. Desta vez também tínhamos ouvido muitos conselhos  sobre as agruras do caminho. Realmente, as chuvas de 2009 haviam fechado aquela passagem até mesmo para motos.
Havia assistido a alguns filmes de pessoas voltando mesmo com veículos capazes de vencer qualquer tipo de obstáculo . Só que agora, apesar de mal conservada, as pontes haviam sido refeitas e nós estávamos preparados.

O início da viagem, no entanto, desmentia tudo isto. Uma estrada de asfalto muito bem conservada e com lindas paisagens, matas por todos os lados e placas indicando cachoeiras, pedras e mirantes que dava vontade de conhecer.

Em especial uma bonita cachoeira na beira da estrada com um marco da Estrada Real na frente nos obrigou a parar e apreciar aquela verdadeira síntese de nosso estado de espírito e de nossa viagem.
Porque ali estava tudo que resumia a beleza que atravessamos nesta semana: lugar tranquilo, cachoeira caindo mansamente e a natureza em torno se mostrando em todo o seu poder. A vontade era ficar ali por uma eternidade. A minha esposa estava neste momento à cata de uma planta chamada popularmente de "Marcela" de que eu ainda não havia ouvido falar antes. Na região, como num repente, passou a aparecer "Marcela" em toda parte, mato que ela é mas muito bonita mesmo assim.  Neste local, acabei fazendo o meu segundo filme da viagem que, mais uma vez, ficou parecendo que tinha sido várias vezes ensaiado e premeditado.


Tentamos prolongar estes momentos o máximo possível. A distância até a divisa com o estado do Rio de Janeiro é pequena, pouco mais de 20 Km. Mas devo ter gasto quase uma hora, andando devagar, parando e saboreando aqueles momentos gostosos de subida de serra...

Divisa entre o asfalto e o caminho de barro

De repente atingimos o alto da serra e tudo mudou! Chegamos na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro e a estrada passou a ser de terra e a virar um caminho. Aí ficou evidente o quanto de política existe na decisão do que fazer nas obras públicas. Estão falando em transformar aquela maravilha em uma estrada fechada e com pedágio, uma estrada parque estão dizendo... Será que vai dar certo? As belezas vão permanecer?

Não estava no momento adequado de pensar nestas coisas porque tínhamos um lindo caminho a seguir que estava se fechando à nossa frente.

A "Marcela" e o raro encontro na Estrada Real, outro carro 
Aqui o tempo estava mais fechado e uma neblina molhada tornava a mata que avançava na estrada mais assombrada. Logo avistamos um carro que estava finalizando o seu trajeto e acabava de vir de Paraty. A nossa descida estava garantida, sem dúvidas.

A foto que tiramos deste raro exemplar encontrado durante o nosso trajeto de quase 800 km pela  Estrada Real, um outro automóvel, mostrou a tão procurada Macela em primeiro plano descansando no console de nosso Suzuki.



Nosso amigo GPS avistando longe
O nosso GPS de que tanto abusei durante os caminhos, apesar de não saber o nome de onde estávamos, estava mostrando que conhecia a região, as curvas do caminho e a distância para chegarmos a Paraty. Só se mostrava um pouco errado sobre o horário de chegada pois fazer uma média de 60Km/h nas condições desta estrada não tem carro de Rally que consiga.

Alguns buracos maiores
Os buracos da estrada começaram a ficar maiores e então tivemos de dar uma parada para esperar um pessoal de um Honda Civic que estava parado tentando estudar a forma de continuar a viagem. As duas mulheres já estavam fora do carro e uma grande cratera fazia com que um senhor, o pai, tentasse conduzir o filho motorista sem que o coitado do carro raspasse muito no chão. Mesmo não podendo escolher a melhor trilha, nos aproximamos deles e atravessamos aquele pedaço de caminho sem esforço algum, nem ao menos uma raspadinha ou dificuldade que fosse. Oferecemos então carona para as mulheres, uma delas grávida, e pudemos aliviar um pouco aquele peso e permitir que a chance deles chegarem mais rápido e a salvo ao final da trilha aumentasse.

Cratera apontada pelo marco da Estrada Real
Pudemos então ouvir a história da senhora que na verdade era uma aventureira. Há mais de 10 anos estava aposentada e haviam comprado um trailer e com ele viviam correndo não só o Brasil mas países vizinhos. Já estavam no terceiro e eles mesmos arquitetavam o trailer que passou a ser a sua casa.
Dizia que já havia passado algumas situações bem mais críticas do que aquela e que nem mesmo chegava a ser uma preocupação pois o filho possuía experiência em atravessar estradas até bem piores. Tranquilizei-me pois já começava a pensar em um lugar onde seria o nosso encontro para devolvê-las...


Pedra no meio da estrada que a havia interrompido 


Continuamos bem devagar, curtindo cada pedaço daquela trilha que estava respondendo a nossos anseios e a completar com chave de ouro o nosso passeio. Melhor ainda que o Marco da Estrada Real aparecia nos melhores momentos, nos apontando a grande cratera que havia sido aberta com as corredeiras da chuva mas se mostrando forte e fácil de ser visualizado.

Lá na frente reconheci a pedra que havia visto no YouTube e que tinha fechado a estrada em 2009. Sem dúvida deve ter sido difícil recuperar este trecho e olhando hoje nem parece que é difícil de atravessá-la.

A ponte substituída e a pedra que rolou


Mais à frente, a ponte havia sido substituída por algumas tábuas e uma grande pedra, com um pedaço avançando pela estrada, dava até a impressão de que o nosso carro era alto demais para passar por debaixo dela. Não era o caso, sem dúvida, mas duvidamos de que um ônibus caberia ali debaixo.






Vista de cima com partes da ponte velha. Dá medo!


Dei uma parada bem em cima da pinguela para olhar lá para baixo e tirar uma foto. Dava para ver ainda pedaços da ponte antiga que havia sido tragada pelas águas e se espalhavam encosta abaixo.

Diria que fiquei meio apavorado com aquela visão e com uma vontade imensa de sair logo dali de cima. Seria medo?




Depois da ponte, no entanto, a estrada foi rapidamente melhorando. Fomos parados por dois carros nos questionando sobre as suas condições lá para cima.
No primeiro deles, um Palio com um casal novinho, fui reticente dizendo que achava que eles não deveriam seguir. Sem dúvida, pela expressão nos rostos deles e pela qualidade da estrada naquele lugar, eles não acreditaram e seguiram em frente. Já com uma Fiorino, eu me mostrei mais bem preparado e falei categoricamente que eles não deveriam seguir. E eles voltaram...

Bar na beira da estrada em Paraty
Mais adiante o asfalto chegou e serpenteamos rapidamente descendo aquela serra bonita e mais movimentada anunciando que Paraty estava próxima. Paramos em um  pequeno restaurante na beira da estrada para esperar o Civic e tomar um bom café de coador. A porção de peixe na mesa ao lado cheirava bem e tinha um jeito de estar muito boa mas o desejo de comer uma Moqueca quando chegássemos à cidade foi mais forte.
Não demorou muito e eles chegaram no Civic que, liberado do excesso de peso, passou ileso pelos demais obstáculos e chegou inteiro.

Pudemos então seguir o nosso caminho por mais 5 Km somente. Aí me lembrei de que não havia pago o café e dei meia volta uma vez mais. Desta vez por uma nobre causa mesmo que de baixo valor!

Mini Estrada Real(?)



Na chegada a Paraty uma estranha curiosidade: a Mini Estrada Real... O que seria? Não havia como não pararmos para saber. Mas foi meio decepcionante pois era um museu com miniaturas dos lugares e um valor bem alto de entrada, bem maior do que os valores dos museus reais.





Para onde ir agora?



Usufruímos mais algum tempo desta chegada, atravessando alguns riachos ainda límpidos e de repente estávamos lá. As placas indicando as estradas e o Portal de Paraty nos indicaram o fim de nossa aventura.






Portal de Paraty



O que faríamos agora? Já eram quase duas da tarde. Primeiro fomos cuidar do carro, parar num posto e dar uma chuveirada nele para tirar o grosso de areia e barro que se acumulavam.

Depois fomos para a cidade à procura de um lugar gostoso para comemorar o fim de nossa jornada.
Restaurante Dona Ondina. Que moqueca! 


A cidade estava tranquila neste início de tarde de domingo de tempo nublado. No cais os marinheiros dormiam deitados na grama. Algumas grandes tendas estavam sendo armadas pois na semana seguinte iria acontecer a  FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty, um dos grandes eventos que lá acontecem e que reúne a nata da cultura mundial em uma grande festa. Tem gente que não perde uma, chova ou faça sol!

Nos lembramos do Restaurante Dona Ondina onde já havíamos, no passado, comido uma moqueca sensacional. Ele fica na beira do rio Perequê-Açu com uma vista bonita e a moqueca do jeito que eu gosto, à capixaba, em uma bonita panela de pedra.

Prazer de olhar 


Ali sentado, saboreamos o prazer das lembranças daqueles últimos dias, todos eles muito cheio de prazeres simples e constantes, como este que estávamos ali vivenciando.

Comemos muito e, satisfeitos, agradecemos ao garçom aquela acolhida, muito especial para nós.

Na hora do pagamento, uma curiosidade: com dinheiro tinha 12% de desconto. Aí o prazer foi maior ainda!


Procurando adesivos no meio do mar de Paraty


Tínhamos de ir embora. Uma viagem de 300 Km até São Paulo nos esperava. Antes porém fomos atrás dos nossos adesivos. E, novamente, eles não foram encontrados. Afinal, estávamos no estado do Rio de Janeiro... Chegamos até a atravessar o mar já que em Paraty, com a maré alta, as águas invadem a cidade. Mesmo assim não conseguimos este presente para nosso valente Suzuki.




Volta para casa
Às cinco da tarde pegamos a estrada de volta para casa. Agora a viagem era só isto, um retorno para nossa vida real. Nenhuma surpresa estava reservada para as próximas três ou quatro horas. Somente a lembrança de que estávamos com saudades de nossos filhos que há 10 dias não víamos. E a vontade de chegar em casa e encontrar o nosso Westie Jimmy pulando em nossas pernas. E em deitar e descansar na nossa cama, em nosso travesseiro. E em começar a escrever este Blog!

A Estrada Real é mais do que um caminho, faz parte da nossa História. Termino a primeira parte do meu relato pois pretendo voltar a percorrê-la em breve. A você, que o está lendo até aqui, vá um dia visitá-la nem que seja passeando por uma pequena parte dela. Tenho certeza de que encontrará muitas surpresas boas pelo caminho.
Ajude-me também a difundir este nosso tesouro inesgotável trazendo mais pessoas para reler um pedaço de minha aventura!