5 de ago. de 2011

Quarto dia na ER, de Prados a Carrancas

Centro de Prados
Acordamos cedo no outro dia em Prados. O dia estava lindo como desde que começamos a nossa jornada mas um friozinho ainda deixava a janela umidificada. Descemos para o café e encontramos uma mesa farta de biscoitinhos e pãezinhos feitos na região. A cada comentário de nosso amigo Renato,  o dono do Água Limpa Apart Hotel, era mais uma que tinha de experimentar e demorei bastante nelas. Um casal estava lá a trabalho, fazendo compras de artesanatos. Já sabíamos da fama mas não especificamente de Prados. Pelos comentários, encontra-se muitas coisas boas e de bom preço nos artesãos que fixaram aqui fugindo do lugar comum. Fomos informados também que Prados possui muitas fábricas de artigos de couro como casacos e sapatos.
No centro da cidade, onde também procurei a Secretaria de Turismo, minha esposa dava umas olhadas pelas lojas de couro. Mais uma vez nada sabiam especificamente sobre a Estrada Real e nem tinham informações. Não souberam me informar se eu conseguiria comprar um adesivo, fato que já estava me deixando importunado. Como é que eu não conseguia achar em nenhuma cidade de Minas, principalmente na rota da Estrada Real, um adesivo para colar em meu carro como recordação?
Mas uma placa ali mesmo, próximo de onde eu havia parado, indicava o caminho a seguir para Vitoriano Veloso e, entre parenteses, Bichinho, nome muito mais conhecido e mais interessante também.

Chegando a Bichinho
Bichinho é um povoado que vive de artesanato. Passando pela praticamente única rua, nota-se que em quase todas as casas o artesanato prevalece. E fiquei muito pouco tempo para ter a certeza mas a primeira impressão que tive foi que quase todo ele muito parecido, como se fosse uma fábrica. Lógico que deve existir muitas exceções mas esta conclusão só vou poder confirmar quando passar lá pelo menos um fim de semana. Nos locais que paramos, notei que qualquer coisa é arte e cobrada como tal, seja uma bonita pintura como um suporte para garrafas...

Fora isto, Bichinho é bem pobre como notei por sua igreja central.

Igreja de Bichinho

Foi tranquila a ida para Tiradentes em estrada calçada de pedra por 5 Km. Uma imagem muito bonita da Serra de São José ao longo de todo o trajeto e uma vontade muito grande de passar por uma trilha que, segundo me segredaram, era utilizada pelos Inconfidentes para fugir da polícia portuguesa. Pode ser um projeto interessante para o futuro próximo.
Serra de São José em Tiradentes







Quando chegamos a Tiradentes notamos que a cidade estava sendo preparada para um grande evento que logo descobrimos tratar-se de um encontro de motoqueiros que acontece todo ano nesta época.
Preparação do evento dos motoqueiros em Tiradentes

Tiradentes sempre bucólica

Vontade de ficar por aqui muito tempo
Tiradentes tem aquela cadência especial de cidade em que você chega e não quer ir embora. Tudo conspira ali para te aconchegar. Como chegamos pela parte  alta da cidade, descobrimos que Tiradentes é maior do que imaginávamos. Nunca tínhamos conhecido o seu subúrbio antes. Mas logo chegamos em seu centro histórico que apesar de continuar o mesmo e de ser um dia de semana, nos deu a idéia de que a cidade está crescendo. Não sei bem explicar o porque desta sensação numa cidade que continua do mesmo tamanho e que já visitamos no passado em épocas de festas.

Paramos para comer um lanche bem na mesinha desta foto e para verificar a chegada dos primeiros motoqueiros da festa-encontro que ia acontecer em dois dias. Daí para a frente foi frequente o encontro pelas estradas, asfaltadas por sinal, com grupos de motoqueiros com destino a Tiradentes.
Paramos o carro em uma rua qualquer já que pelo tipo de pedra que calça a cidade é muito difícil ficar andando de carro pelo centro da cidade. Revimos alguns pontos de que tínhamos boas lembranças do passado e combinei em um lugar enquanto ia buscar o carro. No caminho mais uma vez procurei pelos adesivos da cidade que, só com muito esforço, consegui achar.  Por sinal foi um bem simpleszinho, com uma bandeira do Brasil e outra de Minas, com o nome Tiradentes embaixo. O que fazer? Era o que tinha e preguei no carro o único adesivo de uma cidade mineira de toda a viagem, ante mais de 40 locais visitados... Estou providenciando um fornecedor de adesivos para estas cidades. Quem se habilitar é só me mandar uma mensagem no meu email!

Mas vejam em que verdadeira jóia estávamos, Tiradentes tem de ser visitada com calma de quem quer ficar.

Mas a nossa meta e vontade era a Estrada Real e então começávamos a pensar em Santa Cruz de Minas a 5 km dali. Mais um povoado que estava muito próximo de São João Del Rei onde chegamos na hora do almoço. A cidade cresceu muito nestes últimos anos. Sem dúvida, há uns 10 ou 15 anos atrás quando íamos para lá, a cidade era muito pacata. Ainda mantem os traços de uma cidade do interior mas sem dúvida há uma prosperidade reinante. Chegamos no centro histórico e agora, com a cabeça muito mais acostumada, notamos quanto de belo existe em suas antigas construções. É uma pequena amostra do que foi aquela região que também foi grande na época do ouro. E nos rios pelos quais passávamos ainda pudemos ver alguns mineradores colhendo as últimas migalhas de pepitas ainda existentes.

Chegada a São João Del Rei

Centro histórico

Cemitério da elite

Como antigamente em São João
Foi com pesar que partimos em direção ao nosso próximo objetivo, o Rio das Mortes. Este nome mórbido de cidade deve ser respeitado pois foi ele que fez nascer estas povoações e que trouxe muitos aventureiros atrás do seu ouro.







Andei perguntando por lá o motivo do nome e ninguém soube dizer. Na Internet tem tantas possibilidades que cheguei à conclusão de que ninguém sabe a verdade. Vai ver que em um determinado dia morreram 2 pessoas afogadas naquelas águas e ficou o nome...








O cemitério no centro histórico de São João Del Rei estava fechado e foi só porisso que não entramos. Do portão dava para ver o respeito que ali se depositava nos mortos que, eu imagino, deveriam ser os ricos da cidade. Abaixo de uma caveira amedrontadora na entrada aparecia a data de 1836, ou seja em 175 anos quantas coisas mudaram.







Percorremos rápido os 8 km até Rio das Mortes mas quando daí a pouco pegamos o caminho para a próxima cidade, São Sebastião da Vitória, começamos a sentir na pele a verdadeira ER que estava à nossa frente. O caminho foi ficando estreito e começaram a aparecer porteiras fechadas, coisa que até este momento ainda não havia acontecido.

Ponte no caminho para São Sebastião da Vitória




A partir do momento que atravessamos esta ponte sobre o Rio das Mortes, a estrada cada vez mais se transformou numa trilha, em certos lugares nem isto, somente um pasto com o caminho para o gado.

A estrada vai se estreitando










No início não nos surpreendemos pois em outros locais às vezes o caminho era pouco utilizado. Mas ali, nem o próprio pessoal da fazenda que víamos em frente deveria utilizar.

O marco não deixava dúvidas









O bom foi que, durante o tempo todo, os Marcos nos acompanhavam. Não havia dúvidas, estávamos na Estrada Real. Mas olhando bem dá para ver que aquela estrada tinha sido abandonada há alguns anos e só uma pesquisa histórica muito atenta poderia reconstruir este caminho.

Estrada abandonada

Aqui só a pé tem sido usado pois só tem uma trilha
Travessia do Rio das Mortes





O lugar tranquilo e bonito, a fazenda ao fundo, não chegava a assustar. Mas como chegar lá?

Foi então que chegamos ao Rio das Mortes. Ele apareceu logo após uma porteira daquelas bem difíceis, feita de arame farpado. Eu tinha de passar e esperar que fosse fechada, bem em cima de um grande buraco, um teste bom para nosso valente Suzuki.





Atravessar o rio foi uma brincadeira para ele mas nós nos divertimos muito mais.

Estávamos conseguindo vencer uma difícil etapa, atravessando a ER em um local que muito pouca gente deve ter passado de carro. O espírito da aventura nos fortaleceu e nos deu a certeza de que estávamos fazendo a viagem certa.
Capelinha de São Expedito







Após a travessia foi fácil chegar à fazenda e depois de passar pelo curral pegamos a estrada que eles devem usar normalmente, muito mais conservada.

Passamos então por uma capelinha do São Expedito, o santo dos desesperados. Não era o nosso caso mas achamos interessante aquela devoção no meio do caminho.







Como num milagre aquela estrada melhorou e ficou boa. Num piscar de olhos passamos por São Sebastião da Vitória e rumamos para Caquende.

Aí nos esperava uma das vistas mais bonitas de toda a viagem além de uma bela surpresa.
Vista de Capela do Saco do lado de Caquende

De repente, após uma curva, nos aparece esta grande represa que descobri ser citada em meu mapa como sendo a de Camargos. Diz lá também que eu teria de atravessá-la para chegar na Capela do Saco. Só não dizia como.


Daqui de cima víamos uma grande extensão de água a perder de vista e nenhuma ponte. Do outro lado um pequeno povoado que descobri ser a Capela do Saco. Lá na frente uma Serra majestosa se apresentava e ocupava todo o horizonte. Deu vontade de guardar aquela imagem para não perdê-la nunca mais!
Chegada de Caquende







Fomos descendo a estrada de terra que ainda continuava boa. Lá embaixo estava Caquende, um povoado muito pequeno. Como pode? Ainda não descobriram este lugar?





Neste Rio Grande não me arrisquei
Fomos seguindo adiante e aí veio a surpresa.
A estrada acabou na Represa que é formada pelo Rio Grande e como íamos fazer para continuar?


Daí a alguns minutos começamos a ouvir um barulho vindo do outro lado e uma balsa, a Carranquinha fotografada aí embaixo, começou a flutuar em nossa direção. Vinha espirrando água em todas as direções pois usa aquele sistema de rodas que saem da água.
Carranquinha 








Chegamos rapidamente à Capela do Saco e sentimos mais ainda aquela sensação de que as coisas ali ainda estão para acontecer. Em torno de uma igreja, poucos moradores e uma grande simplicidade. Dizem que o peixe que fazem no boteco que fica na chegada da balsa é muito bom mas deixamos para a próxima.






Ponto de apoio da Estrada Real


Logo acima, a Pousada  Reis que parece legal demais para o lugar, tem uma inscrição simpática se dizendo o ponto de apoio da Estrada Real. Se não fosse muito cedo eu tinha ficado lá só por conta desta chamada. Eu queria ter visto muitas destas ao longo do caminho.



Marco da Capela do Saco cheio de informações






Os marcos da Estrada Real, além de nos acompanhar por todo o caminho e de nos passar uma sensação de segurança grande, possui muitas informações úteis. Nem todos estão tão bem conservados como este mas além de sabermos que deveríamos andar quase 28 Km até Carrancas ficamos conhecendo um pouco sobre o local e a posição exata com a Longitude, Latitude e Altura, perfeito para jogar no GPS. Sempre que estávamos sem certeza do caminho e víamos um marco sentíamos uma grande  vontade de seguir em frente.



Só sobe 4x4 e Carrancas

Em direção a Carrancas fomos seguidos o tempo todo por aquela Serra escarpada e parecendo intransponível. De repente, em uma entrada de fazenda ao pé da Serra, uma placa escrita a mão atestava: -"Só sobe 4x4". Naquela hora ficamos satisfeitos de que estivéssemos bem montados e preparados para qualquer tipo de desafio. E a estrada começou a se transformar em um caminho cortado na rocha de pedra , mais parecendo um leito seco de um rio morro acima.

Estrada escavada na rocha morro acima


Não trafegávamos mais em poeira mas numa farinha branca e em rocha dura. Foram 20 ou 30 minutos somente mas a cada curva íamos nos afunilando e procurando fugir daqueles grandes buracos. A verdade é que o carro em nenhum momento reclamou. Cheguei até a mudar as marchas, experimentar opções de 4x4, mas nada parecia fazê-lo perder a consciência de que a ele somente uma função era requerida, ir em frente.

Quando enfim chegamos no topo da Serra e aquela sensação de que éramos poderosos e estávamos conseguindo cumprir uma façanha reservada a poucos, surge lá na frente  levantando muita poeira um fusquinha branco dirigido por uma senhora que passou rapidamente por nós e começou a fazer o sentido contrário. Ou seja, veio para nos mostrar que ela devia fazer aquilo todo dia e que era muito fácil para aquele carro valente. Foi bom para nos colocarmos em nosso devido lugar e voltar à Estrada Real.

Vista de Carrancas no fim da tarde
Logo em frente avistamos Carrancas junto com a tarde que vinha findando. Na descida ainda tivemos de tomar muito cuidado pois grandes crateras se abriam por falta de manutenção da estrada, provavelmente em função das chuvas de verão. Já estava escuro quando chegamos na pracinha central da matriz. Começou então a nossa procura por um bom hotel para passarmos a noite. O primeiro que avistamos foi a Pousada Roda Vida que achamos simples e um preço um pouco alto. Como falamos com a atendente não teve negociação. Saímos pela cidade e até chegamos a pegar a estrada à procura de um hotel fazenda. Como estava muito escuro e eu começando a sentir um certo desconforto no olho, optamos por voltar ao Roda Viva e desta vez, conversando com o dono, combinamos um pequeno desconto  e ficamos mesmo por lá. Acabamos ficando satisfeitos com a escolha pois os aposentos se mostraram mais acolhedores do que esperávamos. Descemos então para jantar e a minha primeira opção era comer uma truta que tinha visto em um restaurante da praça. Acabou que nos ofereceram para ver o fogão a lenha com aquela comida mineira quentinha e não resistimos. Sentamos e comemos até fartar, acompanhados por uma boa Caracu.

Aqui tenho de fazer um comentário sobre as dificuldades da jornada. Como comentei antes, cheguei com um pouco de dor em um dos olhos e quando fui procurar uma farmácia, às 7 da noite, todas já haviam fechado. Mais tarde quando fomos para o quarto e me conectei na Internet para enviar umas fotos e estudar nosso trajeto do dia seguinte, o olho estava piorando e aparentemente inflamado. Fiquei preocupado pois como ia dirigir com o olho com problemas? De madrugada ao acordar, este olho não abria e o outro começava com a mesma coisa. Como nunca havia sentido nada parecido antes, achei que poderia ser um terçol ou uma inflamação por causa da poeira. Como teríamos de pegar uns 70 Km de estrada de terra pela frente, cheguei a verificar como seria a opção por asfalto. A conclusão é que teria de voltar até Itutinga e daí até Lavras. Ou seja, na Fernão Dias a 400 Km de São Paulo. E imagina que fiasco seria!

Devagar os Adesivos vão aparecendo

Acordei no outro dia um pouco melhor depois de muitas lavagens usando o soro fisiológico que carregava. Tomamos café e a minha veterinária predileta, que viajava comigo, conseguiu comprar um colírio destes que são proibidos a venda sem receita médica e resolveu meu problema. Estava pronto para seguir em frente e o vexame da desistência foi evitado. E o Suzuki da Estrada Real também!


4 comentários:

  1. LINDO CAMINHO LOGO MENOS ESTAREI FAZENDO O CAMINHO DE PARATY A OURO PRETO ... FIQUEI SURPRESO COM OQUE RELATA...


    JOSÉ JUNQUEIRA.

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    1. caro José,
      Se precisar de dicas estou à disposição. Boa sorte em sua viagem. Qual foi a sua surpresa?

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  2. Foi inspiradora a sua história vou planejar para o ano que vem, estudar os detalhes e pegar a estrada....

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  3. Fico muito feliz quando motivo alguém a conhecer a ER. A minha meta futura é fazê-la a pé...é realmente um lugar inspirador! Se precisar de ajuda, conte comigo...

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